Um terço dos portugueses vive no estrangeiro. São cerca de cinco milhões de compatriotas nossos que o país maltratou e maltrata. A rede consular, que deveria garantir a sua ligação em permanência ao país, actua numa lógica de funcionalismo público tradicional, repelindo quem se lhes dirige. Os escassos e incompetentes serviços dos consulados portugueses só são comparáveis em ineficácia às nossas câmaras ou conservatórias, que encerram para férias quando os emigrantes nos visitam em Agosto, e mais necessitariam de tratar de um qualquer assunto oficial.
Por sua vez, o corpo diplomático tem uma postura imperial. Na sua maioria, os embaixadores desprezam os emigrantes e limitam-se a integrar uma ridícula brigada da mão fria, de copo gelado em punho em cada festa de fim de tarde.
A nível governamental, sucessivos executivos tratam dos assuntos das comunidades através do ministério dos... estrangeiros. Ainda por cima, através da secretaria de estado de menor peso protocolar. Os emigrantes são assim tratados como estrangeiros, e ainda por cima como estrangeiros de segunda! Deste modo, o Estado português trata parte dos seus filhos como enteados.
Em termos de representação política, a situação chega a ser humilhante. Os cerca de quatro milhões e novecentos mil portugueses e luso-descendentes elegem apenas quatro dos 230 deputados. Mais de trinta por cento da população, representada por menos de dois por cento do Parlamento. Não admira pois que os emigrantes se alheiem dos escrutínios e que nas últimas eleições presidenciais tenham votado apenas... dezoito mil. Para romper com este modelo arcaico e até antidemocrático, bastaria copiar as boas práticas das regiões e países europeus. A Galiza, aqui tão perto, confere aos galegos que residam em Buenos Aires o mesmo peso eleitoral dos que vivam em Santiago. Votam no seu círculo, exactamente nas mesmas condições que os residentes. E decidem governos.
O Estado português continuará a aviltar e ignorar os nossos emigrantes. Mas a nação portuguesa sobreviverá, estará onde estiver um português. E o país só será completo com os seus emigrantes. Lembremo-nos disto neste Verão, quando num terreiro duma qualquer aldeia, à volta dum coreto, dançarmos as belas músicas populares portuguesas. Vivendo no Porto, Viseu, Paris ou Newark - somos todos Portugal. Como país, bem melhores que o nosso estado. E como povo, bem maior que o nosso chão.
Paulo Morais - Jornal de Noticias