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RE: Violência e Religião

Por: Manuel O. Pina

 

O presidente francês Sarkozy declarou-se muito preocupado com a crescente secularização na Europa e apela ao retorno dos valores religiosos cristãos, cimento e raiz da sociedade europeia. Não sei se a declaração teve como objectivo agradar ao Papa e ao Vaticano, ou tentar minorar a sua baixa popularidade junto de grande parte da sociedade francesa, ferida com uma certa vida escandalosa que Sarkozy tem levado ultimamente, juntamente com a sua namorada.

O apelo do presidente pronunciando-se pela necessidade de mais crentes (!?) é, no mínimo, patético. Se não foi para agradar ou tentar reduzir a sua baixa popularidade, foi porque deve estar com medo da expansão do Islamismo na Europa, nomeadamente na França. Por outro lado, parece que Sarkozy entende também que a crescente violência que se faz sentir tem origem no materialismo e secularização da sociedade europeia.

Aos menos atentos, talvez a posição do presidente francês agrade e venha explicar as dificuldades que a actual sociedade vem sentindo. No entanto, parece que as coisas não são bem assim.

Desde a Revolução Francesa, felizmente, os Estados foram progredindo para uma cada vez maior separação entre a Igreja e o Estado. Digo felizmente porque o poder temporal exercido pela Igreja sempre se revelou retrógrado, inquisitorial e anti progressista. Por imposição da Igreja fomos obrigados a acreditar durante quinze séculos que a Terra era o centro do Universo e, ainda estaríamos numa situação semelhante se a Igreja tivesse mantido o seu poder e as suas prerrogativas. Quando hoje se mostra aberta à concórdia e à paz, trata-se de pura hipocrisia, porque, no fundo, mantém-se igual a ela mesma, como sempre foi – vejam-se os últimos consulados papais e o que fizeram das propostas de abertura do Concílio Vaticano II.

O Sr. Sarkozy tem medo da crescente invasão islâmica da Europa, pois o islamismo é, normalmente, conotado com fanatismo. Com uma certa razão pois, o que conhecemos de datas recentes do islamismo, leva-nos a concluir que se trata de uma religião de fanáticos, que não admite nenhuma espécie de liberdade religiosa ou outra, onde quer que se instalem. O apelo do Sr. Sarkozy seria assim para compensar esse peso islâmico, que cada vez mais se faz sentir. Mas, como escrevi na crónica “Onde estão os Talibãs”, o fanatismo não se encontra apenas entre a religião muçulmana, as sociedades ocidentais estão também cheias de fanáticos à espera de oportunidade para se manifestarem. Portanto, um equilíbrio conseguido com uma certa bipolarização de fanatismos não me parece uma forma segura de melhorar os valores da sociedade e torná-la mais pacífica e fraterna. A chamada “guerra santa” teria então toda a justificação.

Atribuir-se o crescendo de violência à ausência de religião e ao laicismo da sociedade parece-me um grande equívoco. Se nos lembrarmos bem, dificilmente encontramos um conflito que não tenha por pano de fundo ou razão motivadora, a questão religiosa. Por outro lado, as sociedades onde a religião mais se manifesta são as mais violentas. Parece um paradoxo, mas é uma evidência. Não preciso dar exemplos, como o do Brasil, onde a população é extremamente religiosa, e a violência atinge níveis inimagináveis. Vivo numa cidade de 150.000 habitantes onde, durante um mês, há mais homicídios e assaltos sangrentos do que num país, como Portugal, durante um ano. Um estudo recente sobre as cidades dos EUA concluiu que as cidades vermelhas são muito mais violentas do que as cidades azuis. Nos EUA, ao contrário da Europa, as cidades vermelhas são as mais conservadoras, portanto, as pessoas são mais religiosas, e as cidades azuis são as mais liberais.

Parece-me assim que o Sr. Sarkozy anda mal e está tentando a todo o custo recuperar o prestígio que o fez eleger presidente da França. Só falta pronunciar-se contra o aborto para ter o apoio dos religiosos que ainda restam e, principalmente, da população de origem islâmica.

O aborto é outra forma de violência que turva a sociedade e parece ter-se tornado uma questão incontornável pelos que são contra e pelos que são a favor. As posições extremam-se, por um lado os que se mantêm agarrados aos “dogmas” católicos, pelo outro lado os que se agarram aos “dogmas” científicos. Dizer-se que o problema é da consciência de cada um é considerado hipócrita, porque a pessoa não toma partido. Mas mais hipócrita é a situação que sempre se viveu em que os abortos eram clandestinos, feitos por gente mal preparada, em condições miseráveis, colocando em risco a saúde e a sanidade da mulher que o praticava. Procurava-se esconder uma realidade que sempre existiu, era algo em que ninguém gostava de falar, mas toda a gente sabia. Era a política da avestruz. A legalização do aborto veio trazer à tona da sociedade uma realidade com a qual essa mesma sociedade nunca se sentiu confortável. Dizer-se que o problema reside na consciência de cada um pode ser hipócrita, mas então a própria Igreja Católica o é, quando afirma que a consciência de cada um é inviolável.

Manuel O. Pina

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