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RE: Salazar ressuscitado

 

-----Message d'origine-----
De : Opinião.do.Cidadão [mailto:portugal@portugalclub.org]
Envoyé : mercredi 4 avril 2007 16:31
À : Undisclosed-Recipient:;
Objet : Salazar ressuscitado

 

Salazar ressuscitado

A principal ameaça para uma democracia civilizada está no comportamento histérico de democratas incivilizados

de: JOÃO PEREIRA COUTINHO
ANTÓNIO DE Oliveira Salazar (1889-1970), ditador durante quatro décadas, ganhou um concurso televisivo como o maior português de todos os tempos. No dia seguinte, camisas negras marcharam sobre Lisboa, tomaram conta do Parlamento e decretaram um novo regime autoritário, de nítida inspiração fascista. O povo saiu às ruas e saudou os heróis. O Partido Comunista foi ilegalizado, as prisões lotaram com presos políticos e os intelectuais optaram pelo exílio. O novo governo, com o apoio do Exército, exige agora que o presidente Lula devolva o corpo de Marcello Caetano (enterrado no Rio): Marcello será embalsamado e exibido publicamente no Mosteiro dos Jerónimos como relíquia sagrada, depois da fuga infame a que este último governante foi sujeito durante a Revolução dos Cravos de 1974...
Foi mais ou menos por essa altura que eu despertei do pesadelo, pronto para mergulhar em novo pesadelo. Sim, Salazar ganhou o concurso de TV. Sim, Portugal continua um regime democrático e liberal. Mas, vocês não teriam tanta certeza se lessem a imprensa dos nativos a respeito do fenômeno. Qual o significado da vitória de Salazar, 33 anos depois do 25 de Abril?
A opinião geral não perdeu um minuto de tempo para usar os neurônios.
A vitória de Salazar (na TV) prenuncia simplesmente a vitória do fascismo (na vida real). Intelectuais profundos decretaram imediatamente "o fracasso da democracia" e o fim do "sonho de abril". Acadêmicos respeitados falaram em "ano zero para os neo-salazaristas". O Partido Comunista, nossa relíquia stalinista, saiu da tumba e avisou os seus militantes para terem muito cuidado, porque "eles andam por aí". No meio da loucura, valerá a pena colocar tudo na sua devida proporção?
Correndo o risco de vestir uma camisa negra e de marchar também sobre Lisboa, talvez seja importante lembrar duas coisas.
A primeira, óbvia, é que Salazar foi escolhido em concurso de TV por 65 mil pessoas. O show foi um flop de audiência e 65 mil só espantam pela sua evidente escassez. Em Portugal, existem mais do que 65 mil salazaristas. Procurar ver em 65 mil telefonemas o fim da democracia lusa não é apenas ridículo e infantil. É a prova, essa sim preocupante, de que a massa cinzenta de nossos intelectuais e acadêmicos derreteu para lá do tolerável.
A segunda, ainda mais óbvia, é que os 65 mil votos não são exclusivos de salazaristas. Pessoalmente falando, conheço gente liberal e bem democrática que votou em Salazar para criar polêmica.
Sobretudo quando a TV do Estado começou por censurar o nome do ditador de sua seleção inicial. Por ironia macabra, a escolha de Salazar pode ser vista como exemplo de liberdade e de luta contra a censura: a censura que Salazar, ontem, e a RTP, hoje, pretenderam aplicar sobre os patrícios.
Na brincadeira dos grandes portugueses, não são os mortos que assustam. São os vivos. Nos últimos dias, eles mostraram que a principal ameaça para uma democracia civilizada está no comportamento histérico de democratas incivilizados.                    
Jornal Folha de São Paulo, 4 de Abril de 2007

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